quarta-feira, 22 de junho de 2011

O Sacerdote na Celebração Eucarística de Corpus Christi


A Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, nas palavras do Papa Bento XVI, "convida-nos a contemplar o mistério supremo da nossa fé: a Santíssima Eucaristia, presença real do Senhor Jesus Cristo no Sacramento do Altar. Cada vez que o sacerdote renova o sacrifício eucarístico, na oração da consagração ele repete: "Este é o meu corpo ... este é o meu sangue ". Diz estas palavras emprestando a voz, as mãos e o coração a Cristo, que quis permanecer conosco e ser o coração pulsante da Igreja "[1].


1. As origens da festa de Corpus Christi [2]

As origens remotas da festa de Corpus Christi encontram-se no desenvolvimento do culto da Eucaristia durante a Idade Média. As disputas doutrinárias entre Pascasio Radbertus († 865) e Ratramno de Corbie († 868), e especialmente entre Berengário de Tours († 1088) e Lanfranco de Pavia († 1089), levaram a um esclarecimento da doutrina da Presença Real de Cristo no Sacramento e, portanto, a um culto mais sincero e difuso da Eucaristia.

No século XIII, manifesta-se um movimento mais amplo de devoção eucarística entre as pessoas e também entre os teólogos, com um forte contributo da nova ordem franciscana. O IV Concílio de Latrão (1215), precisando a doutrina da Igreja com a fórmula da transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo, levou a um maior desenvolvimento do culto eucarístico. O próprio Concílio prescrevia a obrigação da comunhão pascal anual e da reserva da Eucaristia em um local seguro [3]. E na liturgia difunde-se a prática de elevar a hóstia e o cálice durante a Missa pelo desejo dos fiéis de ver e de adorar as espécies consagradas.

A solene celebração de Corpus Christi, tal como a conhecemos hoje, vem da inspiração da religiosa flamenga Santa Juliana de Cornillon (1191-1258). A festa, instituída na diocese de Liège, na Bélgica atual, em 1246 e espalhou-se rapidamente, graças aos esforços do flamengo James Pantaleone de Troyes, mais tarde eleito Papa Urbano IV (1261-1264). Ele incluiu a festa no calendário litúrgico geral com a bula Transiturus de hoc mundo, 11 de agosto, 1264 [4]. No entanto, devido a diferentes acontecimentos, só foi celebrada em toda a Igreja somente após o Concílio de Viena (1311-1312).

Segundo a Vida de Santa Juliana, o próprio Cristo disse que o principal motivo para querer esta nova festa, era recordar a instituição do Sacramento do seu Corpo e Sangue de maneira particularmente solene, o que não era possível na Quinta-Feira Santa, quando o liturgia é marcada pelo lava-pés e pela Paixão do Senhor. Este festa seria um aumento de fé e de graça para os cristãos, que serão levados a participar com mais atenção àquilo que, ao contrário, vivem nos dias ordinários com menos devoção ou até mesmo com negligência.

A festa foi marcada para quinta-feira após a oitava de Pentecostes, a primeira quinta-feira após o Tempo Pascal, de acordo com o calendário litúrgico do usus antiquior. A festa é assim claramente ligada à Quinta-Feira Santa, e manifesta o seu caráter essencial: "Na festa de Corpus Christi, a Igreja revive o mistério da Quinta-Feira Santa à luz da Ressurreição" [5].

2. A Missa

Apesar das dúvidas de historiadores, foi confirmado por pesquisas recentes que a Missa e o Ofício de Corpus Christi foram compostos por São Tomás de Aquino, sob as ordens do Papa Urbano IV. A Missa original permaneceu a mesma nas várias edições do Missal Romano até os anos cinquenta do século XX, com a exceção do “tropo” do Kyrie [6] (nas fonte mais antiga), que desapareceu no Missal de São Pio V ( 1570).

Para a epístola escolheu-se o texto do Apóstolo Paulo da Instituição da Eucaristia (1 Coríntios 11,23-29), em uma versão mais curta do mesmo texto, que é usado durante a Missa da Ceia do Senhor na Quinta-feira Santa (1 Cor 11 20-32). Neste contexto também está inserido o Evangelho (Jo 6,56-59) do grande "discurso eucarístico" de Jesus, que segue o milagre da multiplicação dos pães.

Além das orações habituais e antífonas, a Missa contem uma longa sequência, também do “Aquinate”, o Lauda Sion. Essa seqüência é um belo exemplo de como a lex credenti se exprime na lex orandi, como mencionado Bento XVI:

"Terminamos de cantar na seqüência:" “Dogma datur christianis, / quod in carnem transit panis, / et vinum in sanguinem - É certeza de cada cristão / o pão transforma-se em carne e sangue torna-se o vinho ". Hoje reafirmamos com alegria nossa fé na Eucaristia, o Mistério que constitui o coração da Igreja. [...] Portanto a festa de Corpus Christi é uma festa singular, um importante encontro de fé e de louvor para toda comunidade cristã. Esta festa teve origem num determinado contexto histórico e cultural: nasceu com a finalidade bem precisa de reafirmar abertamente a fé do Povo de Deus em Jesus Cristo vivo e realmente presente no Santíssimo Sacramento da Eucaristia. É uma festa instituída para adorar, louvar e agradecer publicamente ao Senhor, que "no sacramento da Eucaristia continua a amar-nos "até ao fim", até o sacrifício de seu corpo e seu sangue" (Sacramentum caritatis, 1) [7].

São Tomás de Aquino deu à missa de Corpus Christi o Prefácio do Natal do Senhor: " No mistério do Verbo Encarnado apareceu aos olhos da nossa mente a luz nova do vosso fulgor, porque conhecendo Deus visivelmente, por meio dele somos levados a amar as coisas invisíveis ". [8]. Esta escolha é significativa, pois estabelece uma íntima conexão entre o mistério da Encarnação e aquele da Transubstanciação: no Sacramento é real e substancialmente presente o Cristo vivo, Corpo, Sangue, Alma e Divindade.

No Missal Romano de 1962, que atualmente é normativo para a forma extraordinária do Rito Romano, o Prefácio da Natividade foi substituído pelo Comum. No entanto, em 1962, quatro novos prefácios foram aprovados para algumas dioceses, incluindo um prefácio do Santíssimo Sacramento, também usado para Corpus Christi.

No Missal Romano de 1970 e nas posteriores edições típicas, os textos eucológicos da festa permaneceram essencialmente os mesmos, mas foi dado o novo prefácio da Santíssima Eucaristia. A diferença principal é o enriquecimento das leituras segundo no ciclo de três anos (Ano A: Dt 8,2-3.14 b-16, 1 Cor 10,16-17, Jo 6,51-58; Ano B: 24,3 Es -8, Hb 9,11-15, Mc 14,12-16.22-26, Ano C: Gn 14,18-20, 1Cor 11,23-26, Lc 9,11-17).

3. A Procissão

Em todo o mundo, Corpus Christi é marcado pela procissão eucarística solene que segue a Missa. Também nisto a festa, recorda a celebração da Quinta-Feira Santa, que termina com a procissão eucarística até o altar da reposição. Deve-se notar, contudo, que a procissão de Quinta-feira Santa lembra o êxodo do Senhor do cenáculo para a solidão do Monte das Oliveiras, onde ele foi traído por Judas, e, portanto, tem em si um aspecto obscuro e triste, é a noite que leva à Paixão na Sexta-feira Santa. Ao contrário, a procissão eucarística de Corpus Christi é realizada à alegre luz  da Ressurreição. Ao levar Cristo Sacramentado pelas cidades e aldeias, sobre os prados e sobre os lagos, a Igreja age "em obediência ao convite de Jesus para "proclamar de cima dos telhados" o que Ele nos transmitiu em segredo (cf. Mt 10,27) . O dom da Eucaristia os Apóstolos o receberam do Senhor na intimidade da Última Ceia, mas era destinado a todos, a todo o mundo "[9].

Na solene celebração de Corpus Christi, em muitas paróquias e comunidades católicas, se exprime a alegria na fé, sobre a qual Bento XVI, como teólogo e como papa, muitas vezes refletiu: a força com que a verdade da fé cristã faz o seu   caminho deve ser a alegria com a qual se manifesta. Esta alegria é uma alegria pascal, enraizada no fato de que Cristo ressuscitou dos mortos. A Igreja tem necessidade de aproveitar todo o esplendor da beleza para expressar esta alegria suprema.

Não devemos cansar-nos nunca de insistir sobre a prioridade do culto divino, ultrapassando assim uma restrita interpretação moralista e legalista do cristianismo. Bento XVI dá o exemplo, porque é profundamente convencido de que "o direito e a moral não estão juntos se não estão ancoradas no centro litúrgico e não tiram dele a sua inspiração" [10]. A adoração, que se expressa de modo particular na Missa e na Procissão de Corpus Christi, é constitutiva da relação do homem com Deus e da justa existência humana no mundo.

Neste ano sacerdotal * , os ministros do Santíssimo Sacramento tem uma razão a mais para voltar a meditar sobre a sua incomparável dignidade, que foram chamados por vocação divina. O ser sacerdotes ordenados tem uma referência primária e insubstituível ao poder de consagrar a Eucaristia. Aos vários motivos teológicos que são o pano de fundo da alegria de cada cristão diante do Dom da Eucaristia, o sacerdote acrescenta ainda a sua conformação - certamente humanamente imerecida – ao Cristo Sacerdote, que se faz verdadeiramente presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Desejamos, portanto, aos sacerdotes de todo o mundo  que vivam a procissão de Corpus Christi como um momento de adoração, contemplação e reflexão sobre o grande Mistério que se torna sempre de novo presente no mundo através de suas mãos, ungidas um dia com o santo crisma, para poder consagrar e tocar o Corpo sacramental de Cristo.

* O presente estudo foi escrito no decorrer do Ano Sacerdotal 2009-2010

Notas

1) Bento XVI, Angelus (10 giugno 2007).

2) Cf. L. Pristas, «The Calendar and Corpus Christi: An Historical and Theological Consideration of the Church’s Sacred Year», in U. M. Lang (ed.), The Genius of the Roman Rite: Historical, Theological and Pastoral Perspectives on Catholic Liturgy, Hillenbrand Books, Chicago 2010, pp. 159-178.

3) Concilio Lateranense IV (1215), Constitutiones, 20. De chrismate et eucharistia sub sera conservanda: in Conciliorum Oecumenicorum Decreta, p. 244.

4) Cf. DS 846-847.

5) Bento XVI, Omelia nella Solennità del SS.mo Corpo e Sangue di Cristo (26 maggio 2005). Hoje, em muitos países onde a quinta-feira não é um feriado, a festa de Corpus Christi é celebrada no domingo seguinte.

6) Com essa expressão se entende a ínvocação do «Kyrie, eleison» acompanhada de um verso introdutorio chamado «tropo», por ex.: «Senhor, que viestes salvar, os corações arrependidos, , tente piedade de nós».

7) Bento XVI, Omelia nella Solennità del SS.mo Corpo e Sangue di Cristo (7 giugno 2007). 8) «Quia per incarnati Verbi mysterium nova mentis nostrae oculis lux caritatis infulsit: ut dum visibiliter Deum cognoscimus, per hunc in invisibilium amorem rapiamur».

9) Bento XVI, Omelia nella Solennità del SS.mo Corpo e Sangue di Cristo (7 giugno 2007).

10) J. Ratzinger, Introduzione allo spirito della liturgia, San Paolo, Cinisello Balsamo 2001, p. 16.